A EXPERIÊNCIA DE INVENTARIAR A ESCOLA DO CAMPO: MAPEAMENTO DOS PERTENCIMENTOS IDENTITÁRIOS DOS/AS ESTUDANTES DA REGIÃO DA ROTA DO CAVALO
Iassana Rodrigues Soares[i]. Universidade de Brasília- FE/UnB. E-mail: iassanars@gmail.com.
Desenvolvimento
Ø A
linguagem cartográfica posicionou geograficamente os territórios comunitários,
evidenciou a paisagem como território de cultura;
Ø A
linguagem matemática foi acionada por meio de linha do tempo, tabelas e
gráficos para quantificar matrículas com identidades culturais na Escola,
produzir linha do tempo sobre a historiografia das identidades na Rota do
Cavalo;
Ø A
linguagem corporal fez a intersecção com a interculturalidade, foi usada para
apresentar os aspectos folclóricos, os festejos, danças e a musicalidade;
Ø A
linguagem oral foi imprescindível na interação nas rodas de conversas, e
entrevistas; A linguagem escrita foi usada no registro das ações, produção de
relatórios e de três narrativas autobiográficas e na exploração das fotoimagens
trazidas as aulas como forma de exemplificar onde estavam os símbolos e
simbologias culturais das identidades culturais das crianças.
As duas palestras promovidas pelo pesquisador, ajudaram a mim, a nova docente e a turma a compreender a importância da preservação da língua materna e a musicalidade na afirmação e visibilidade da identidade cultural dos povos ancestrais, e a visualizar a possibilidade de ampliar a educação com foco na interculturalidade. Sobre isso, falamos de como o tambor é uma marca forte que atravessa a musicalidade brasileira e que, infelizmente, não está inserida no contexto escolar para trabalhar ritmos e harmonia.
As diversas linguagens que usamos para desenvolver as competências das disciplinas, ajudaram a destrinchar os eixos transversais que a matriz regulamentar das Diretrizes Pedagógicas da Educação Básica do Campo do Distrito Federal-2018 orienta às escolas de educação formais que possuem atendimento com povos e comunidades campesinas a seguir. Os eixos são "terra, trabalho, história, cultura, luta social, vivências de opressão, conhecimento popular e organização coletiva”.
O mapeamento cartográfico dos pertencimentos culturais reuniu esses eixos e trouxe pela perspectiva do olhar infantil. As vozes infantis produziram memória coletivas dos seus territórios comunitários, e as produções escolares tiveram minha intervenção pedagógica, enquanto docente como forma de potencializar a educação formal e visibilizar os aspectos sociais, culturais e históricos do lugar dentro de uma pedagogia ecocultural e de ação interdisciplinar.
Como exemplo de intervenção, cito a visão hegemônica sobre o trabalho infantil. As crianças campesinas apresentaram que existe uma diferença entre trabalho infantil e trabalho executado pelas crianças nas atividades cotidianas de suas famílias e territórios comunitários. Mostraram que ajudar na colheita, na venda dos produtos na feira de hortifrutigranjeiros é uma forma de construir as identidades culturais e as singularidades que a família carrega desde seus ancestrais e não gostam quando apresentam essa organização como trabalho infantil. Desta problematização, falamos sobre a importância da militância infantil para a identidade sem-terrinha e a importância das vestes, do leque, da botina e da pintura no dia-a-dia das meninas Calins. E que nem sempre enxada é sinônimo de ignorância.
No entanto, o sentimento de uma educação para a alteridade ficou ecoando dentro de mim, pois nesses 3 anos que segui reunir o material e inventariando os pertencimentos culturais com as crianças, percebi dificuldades no contexto escolar sobre o acolhimento e visibilidade dessas culturas por parte de adultos da Escola e de pais no território comunitário. Fato este que me fez adentrar em pesquisa de mestrado e visibilizar diálogos afirmativos sobre a diversidade cultural que atravessa o Sistema Educacional.
Considerações finais
A experiência com o mapeamento dos pertencimentos, me instigou a rever meus conceitos, a produzir uma educação mais consciente e libertadora, como nos inspira Freire em todos os seus textos. Demonstrou que as crianças arranjam formas de conviver e de territorializar o espaço e que possuem vozes, participam desde a infância e transformam e interagem no meio ambiente e em seus territórios comunitários. Por isso, não há razão alguma, negar as potencialidades curriculares que veem das crianças. A cada fase cronológica que o/a estudante se encontra, ele/a vai acumulando conhecimentos e experiências.
Compreendi o território, a partir da perspectiva do olhar da criança. E por essa perspectiva produzimos e inventariamos o espaço que é delas, onde elas são agentes produtores, investigadores e atuantes. O inventariado conseguiu responder quem são as identidades que atravessam a Rota do Cavalo, e alcançou repostas a problematização inicial do meu trabalho docente – sim, é possível e viável promover ecopedagogias para potencializar a educação e também é possível sistematizar o ensino com base nos pertencimentos culturais do território”.
Argumento, que é possível fazer do território um lugar, onde as pessoas se vejam parte dele. Mas para isso, é preciso uma ação conjunta, com processos de acolhimento desde a família. A visibilidade dos pertencimentos identitários é essencial para combater o racismo epistêmico que invisibiliza as crianças Calons, as crianças sem-terrinha e que classifica em posição de subalterno as crianças campesinas em relação as que possuem vínculo com pertencimentos de uma vida urbana. Alguns aspectos culturais são tão profundos negativamente que impedem e funcionam como barreiras apara a educação intercultural e em alteridade. Por isso, docentes, façamos a nossa parte nesse acolhimento das identidades culturais no contexto escolar.
Referências:
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra LTDA.1967.
LOPES, Jader Janer Moreira. Geografia das Crianças, Geografia das Infâncias: as contribuições para os estudos das crianças e suas infâncias. Revista Contexto& Educação v.23, n.79,2008, p.65-82,2008.
LOPES, Jader Janer Moreira. Mapas vivenciais: possibilidades para a Cartografia Escolar com as crianças dos anos iniciais. Revista Brasileira de Educação em Geografia, Campinas, v. 6, n. 11, 2016. Jan-ju, p.237-256.
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: ______. (Org. e Trad.). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 73-102.
VASCONCELLOS, Tânia de. Criança do lugar e lugar de criança. v. 12, 2014.
Disponível em: <29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT07-2482--Int.pdf>. Acessado em 06 de agosto de 2018,
[i] Professora de Educação Básica na
Secretaria do Estado de Educação do Distrito Federal-SEEDF, Educação Campesina-
Escola Classe Sítio das Araucárias. Mestranda em Educação pela Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília- FE/UnB. Brasília; Distrito Federal;
Brasil. iassanars@gmail.com.
olá Iassana, parabéns pelo seu trabalho, e que maravilha em que você pode perceber o território a partir do olhar das crianças, pois a partir disso nos traz uma problemática pra pensar a identidade e o sentimento de pertencimento, ainda mais quando temos marcas de uma colonização violenta que descaracterizava e subalternizava forçando a uma homogeneização, sem respeito as identidades culturais.
ResponderExcluirBoa tarde, Kleide. Então, fico feliz que você gostou e percebeu minha intenção de compreender e valorizar as singularidades identitárias das crianças e a partir delas sistematizar os conteúdos, demonstrando que é possível integrar o currículo "duro" com o cultural. Sinto-me honrada em conviver com um espaço tão plural. Sei que é um trabalho de formiga e que descolonizar o pensamento, historiamente engendrado não é fácil, mas tenho consciência que é uma missão urgente!
ExcluirTrabalho riquíssimo, Iassana. Suas inquietações demonstram um olhar pedagógico sensível, preocupado com a não homogeneização das culturas, dos territórios. Uma ação de defesa às tradições, de valorização das múltiplas identidades. Uma prática docente voltada, nas palavras de Freire, para o oprimido. Essas intervenções realizadas na infância, com a uso de várias linguagens, certamente desperta desde cedo a formação de uma consciência crítica-reflexiva, apresenta a pluralidade como natural, necessária e bela. Gostaria de saber como a escola acolheu a sua proposta? As famílias dos estudantes tiveram participação em algum momento ou manifestaram algum interesse ou opinião? Você identificou repercussões positivas e negativas ao longo do processo? Sabemos que não é fácil fugir aos moldes tradicionais, resistências, geralmente, surgem em relação à práticas contra-hegemônicas.
ResponderExcluirBoa noite, obrigada pelas considerações! Quanto a escola, ressalto que algumas colegas aceitaram a proposta de inventariar os pertencimentos e embarcaram em ações mais precisas sobre algumas diversidades culturais, visitamos espaços e continuamos unidas compartilhando ações. O sindicato dos professores foi alertado pela coordenação da escola e a galera das mídias do sindicato que buscam mostrar trabalhos que se destacam em alguma temática ambiental, nos acompanharam numa visita de campo em dois lugares e produziram um vídeo bacana sobre a importância de inventariar o patrimônio cultural que atravessa as escolas. Mas também tivemos aqueles colegas que por não acreditarem num currículo cultural e integrado, ou porque possuem carência sobre a educação campesina e formação sobre novas propostas educacionais, meio que posicionaram-se negando a possibilidade de sistematizar os conteúdos a partir do território. Alguns colegas pouco produziram, outros nada produziram a partir do protagonismo infantil. Mas acredito que é uma questão de capacitação e formação. Persistência. Acredito que temos muito o que debater e dialogar, pois o processo de descolonização do pensamento é necessário mas trabalhoso. Identifiquei fragilidades e potencialidades no percurso, o que me fez, inclusive me tornar pesquisadora e mestrando em educação. Dia 29 agora defendo minha dissertação, onde mostro que os preconceitos e estigmas são barreiras sociais que adentram com força o cotidiano escolar. Também identifiquei a rotatividade docente como uma reação a possível dificuldade docente de ressignificar ações a partir da diversidade cultural. Ainda sobre as potencialidades, ou pontos positivos, o que vem acontecendo a partir dessa proposta de inventariar só vem crescendo. Inventariei meu território com mais detalhes e riquezas com a dissertação. Descobri crianças com protagonismo comunitário, dialoguei com os docentes sobre a necessidade escolar de entender o que é trabalho infantil e tarefas cotidianas de casa, pois nem tudo deve ser criminalizado. Digo que as famílias com quem me apoie na pesquisa foram essenciais nos bate papos, elas me ajudaram muito. Porém, de toda essa experiência de cartograr o território com a ajuda das crianças, compreendo que as conquistas ainda estão mais referendadas no meu trabalho, meio que algumas colegas desistem de continuar, e a dinâmica organizacional escolar é um fator que dificulta muito as ações. A temporalidade que acontece dentro da escola é nossa pior aliada quando buscamos retratar o cotidiano do território. Mas espero conquistar apoio de mais colegas para realizarmos projetos maiores, e com foco na ecopedagogia tendo a água como matriz referencial. Assim espero !
ExcluirEsse mapeamento da diversidade cultural, protagonismo dos alunos e principalmente a participação da família certamente contribuíram para a beleza e relevância dessa ação. Gostaria de questionar quais as ferramentas foram utilizadas para convencer as familias da importância de acompanhar e estimular os alunos nesse mapeamento?
ResponderExcluirJanaína Sabina Cardoso
As famílias já possuem o hábito de serem inseridas no diálogo do PP da Escola. Alguns grupos comunitários( Calon e do FNL) já possuem liderança que se dispõem a participar de debates. Na escola, as crianças que se prontificaram a falar de si, perguntaram aos pais se eles ajudariam nesse processo e eles aceitaram. Já tem alguns anos que buscamos dialogar com as famílias através de vídeos nas reuniões de pais; durante alguns anos produzimos jornalzinho escrito e falado. Meio que essa comunicação já existe. Particularmente criei um grupo de whats com os pais da turma, daí mandava fotos das atividades construídas no dia para eles. Acho que quando eles veem o resultado então participam. É claro que essa participação não é 100 por cento, mas a grande maioria participa e colabora. Falar de si não é difícil. Os pais se sentiram valorizados enquanto pessoas que possuem cultura. Algumas crianças gravaram, tiraram fotos. Outras trouxeram um rascunho das falas. O importante é fazer com que elas sintam-se valorizadas. A parte de sistematizar foi construída em conjunto na sala. Depois, quando o Projeto Inventário ficou pronto, a coordenação divulgou via rede social, na reunião de bimestre. Fez chegar a comunidade.
ExcluirOlá, Iassana, muito bom ler seu trabalho. Meu campo de pesquisa é Educação do Campo e Quilombola. Na leitura de seu texto, observei que você tem 15 anos de docência em escolas do território rural. Seu projeto iniciou há 15 anos ou corresponde ao período do relato da experiência 2017-2019? O que a influenciou, o que fez você perceber a importância do inventario? E o que mudou na relação práticas educativas escolares e práticas educativas da comunidade?
ResponderExcluirMaria Fernanda dos Santos Alencar
Primeiramente obrigada! Então, nesses anos que vivenciei experiências na educação do campo, atuei em diferentes funções na Escola. quando estava em coordenação e gestão busquei promover o projeto Jornalzinho como forma de fazer a comunicação entre a escola e o território comunitário. As ações que uniam família e escola sempre aconteceram. Mas o Projeto maior, de inventariar os pertencimentos que atravessam a Escola a partir do olhar da criança, veio a partir de 2017. Ele ajudou a construção do Projeto Inventário. O inventário é importantíssimo para mapear a cultura, meio ambiente, a paisagem e as identidades, mas tudo é novo. A rotatividade docente atrapalha as ações coletivas. Mas sigo inventariando e construindo pontes com a comunidade. Nesse processo as práticas pedagógicas estão mais focadas em afirmar e valorizar os pertencimentos. A reflexão já é por si só um avanço, mas acredito que sistematizar os conteúdos a partir dos saberes territoriais tem sido a grande mudança.
ExcluirPrimeiramente gostaria de parabenizá-los por desenvolver esse belíssimo trabalho a partir da vivência, e por compartilhar conosco, no entanto quando fala na necessidade do acolhimento desde a família, surgiu a curiosidade de saber se a comunidade reconhecia tal importância e se demonstrava interesse em coloborar, para resolver tais dificuldades?
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho!
Maria Ângela Silva Alves
(Bom Jesus da Lapa/BA)
Obrigada pelas palavras.
ExcluirQuanto a questão problematizada, informo que cada pessoa compreende a educação de uma forma. Nem todos da comunidade entendem os processos e as estratégias pedagógicas, e nem todas as famílias dialogam em casa com seus filhos sobre prosseguir os estudos. Dessa forma, alguns acompanharam as atividades distanciados, mas a grande maioria ajudou e contribuiu com fotos, com a produção de narrativas. Participaram respondendo os questionários, aceitaram ser entrevistados por seus filhos. A semente é nova. A medida que produzimos material e divulgamos, mais pessoas se envolvem. Em cada ano estive com turmas diferentes e a dinâmica de participação do início do ano para o fim aumentou. A família necessita visualizar e ter em mãos o projeto materializado para compreender a importância das ações. O impacto na vida de alguns alunos também fez a diferença, pois a indisciplina e a infrequência caiu. Ao falar de si e se sentirem valorizados, acredito que , sentiram-se respeitados e pertencentes ao lugar.