A EXPERIÊNCIA DE INVENTARIAR A ESCOLA DO CAMPO: MAPEAMENTO DOS PERTENCIMENTOS IDENTITÁRIOS DOS/AS ESTUDANTES DA REGIÃO DA ROTA DO CAVALO


 


Iassana Rodrigues Soares[i]. Universidade de Brasília- FE/UnB. E-mail: iassanars@gmail.com. 


Introdução

A vivência como professora por mais de 15 anos em um território rural, atuando com identidades culturais campesinas, que possuem pertencimentos culturais ligados a comunidades tradicionais, me motivou a mapear a diversidade cultural territorial que atravessa a escola da região pública - Escola Classe Sítio das Araucárias.
Segui no objetivo de mapear os pertencimentos culturais das crianças de forma a evidenciar respostas à questão – “É possível promover ações com foco na ecopedagogia no contexto escolar, com vínculos na interculturalidade, sistematizando o ensino com base nos pertencimentos culturais territoriais? ”.
Como exercícios para inventariar os vínculos identitários das crianças promovi ações em torno do protagonismo infantil. A intenção foi ativar a Educação como prática da liberdade e colocar em prática a educação libertadora de que Paulo Freire (1967) nos inspira a fazer enquanto atuamos como docentes. Pois, se a escola se fecha à comunidade, como haveremos de dialogar e potencializar os encontros culturais dentro da escola? Assim, em ações coletivas, coletei informações sobre a diversidade cultural, que evidenciou os pertencimentos culturais com vínculos em comunidades e povos tradicionais em tradição de fechos e pastos, povos de terreiros, povos ciganos da etnia Calon,  agricultores desenvolvendo a produção como meeiros, estudantes em vínculo com o turismo rural, em trato com cavalares e muares, em militância junto aos movimentos de luta pela terra (FNL e MST), e pertencimentos de uma vida urbanizada onde algumas crianças residem em condomínios e possuem laços com a dinâmica urbana.
A convivência experimentada em anos de regência nesta Escola, me apresentou inúmeros saberes a serem sistematizados na educação formal. Apesar do foco fosse mapear as identidades culturais, a investigação também caminhou para entender como essas identidades culturais dos/as estudantes eram forjadas, e para isso busquei evidenciar como os pertencimentos identitários e a própria diversidade cultural chegou na região da Rota do Cavalo e consequentemente na Escola.
Não fazia sentido fazer o levantamento dessas identidades culturais sem o protagonismo infantil, desse modo, as crianças, uniram-se ao propósito como protagonistas da pesquisa e trouxeram dados sobre a chegada de cada grupo ao território; dados de como funciona a temporalidade e a organização temporal dos territórios comunitários; e falaram sobre singularidades, saberes e tradições que constroem a identidade cultural de cada um de seus grupos culturais.
A coleta de dados aconteceu via rodas de conversas; visita no território comunitário; e produção com narrativas autobiográficas das crianças. O uso de fotografias e a apresentação de alguns materiais simbólicos das identidades culturais adensou o debate: leques, bandeiras, bonés, enxada, botina, chapéu, arreio, ajudaram no diálogo sobre as diferenças culturais e sobre a própria identidade cultural de cada grupo.
Com tudo que levantamos, a problemática motivadora sobre ecoeducação e sistematização dos saberes territoriais foi respondida em afirmação: sim, é possível inventariar os pertencimentos culturais dos/as estudantes com base nos saberes territoriais e promover uma educação com vista a ecopedagogia.

Desenvolvimento


O relato de experiência, corresponde as ações promovidas no biênio de 2017-2019. Os instrumentos utilizados foram rodas de conversa, a narrativa autobiográfica, fotobiografias, mapas vivenciais, entrevistas e visitas nos territórios comunitários.
Os instrumentos ajudaram a entender a subjetividade e a formação da identidade cultural de cada grupo que territorializa a região da Rota do Cavalo, no Núcleo Rural 1, da cidade-bairro Sobradinho-Distrito Federal. Para a proposta de ecopedagogia o território foi observado como um território de cultura, de paisagem que une homem, meio ambiente e cultura, o currículo da SEEDF foi potencializado a partir dos saberes da geo-história local.
Com o protagonismo infantil, evidenciei os conhecimentos das crianças sobre o território comunitário delas. E levantei aspectos sobre as vivências, saberes, localização geográfica, pertencimentos, preconceitos, estigmas e lutas. Para explorar o registro desses conhecimentos, usamos mapas vivencias e narrativas autobiográficas. Para registrar o que foi produzimos geramos relatórios de visitação nos territórios comunitários das crianças e nas atividades dentro da Escola. Dos momentos temos fotografias e pequenos vídeos. As figuras 1 e 2 apresentam momentos dessas entrevistas.

As figuras 1 e 2 apresentam momentos dessas entrevistas.

                    Figura 1-acampamento Renascer Palmares                Figura 2-  Etnia Calon na Escola

                      Fonte: a autora, 2017                                                      Fonte: a autora, 2017

Diversas linguagens auxiliaram o mapeamento sobre as identidades culturais.

Ø    A linguagem cartográfica posicionou geograficamente os territórios comunitários, evidenciou a paisagem como território de cultura;

Ø    A linguagem matemática foi acionada por meio de linha do tempo, tabelas e gráficos para quantificar matrículas com identidades culturais na Escola, produzir linha do tempo sobre a historiografia das identidades na Rota do Cavalo;

Ø    A linguagem corporal fez a intersecção com a interculturalidade, foi usada para apresentar os aspectos folclóricos, os festejos, danças e a musicalidade;

Ø    A linguagem oral foi imprescindível na interação nas rodas de conversas, e entrevistas; A linguagem escrita foi usada no registro das ações, produção de relatórios e de três narrativas autobiográficas e na exploração das fotoimagens trazidas as aulas como forma de exemplificar onde estavam os símbolos e simbologias culturais das identidades culturais das crianças.

Silva (2009) diz que há uma produção social na identidade e na diferença, pois ambas, são tomadas como dados ou fatos da vida social. O autor explica que a identidade é aquilo que é, é forjada pelo que o indivíduo reconhece ter em si, e que a diferença e o que o que diferencia ele do outro. Que a identidade e a diferença vivem numa relação de estreita dependência, são inseparáveis. A identidade, para Silva (2009) é a referência e são sujeitas a relações de poder. O poder de definir a identidade e de marcar a diferença que existe entre culturas.
A experiência do mapeamento mostrou que ao contar sobre si, as crianças afirmaram seus pertencimentos e problematizaram situações referentes a desigualdades sociais, preconceitos e estigmas culturais. Elas, com base no que conhecem dos espaços vivenciais colocaram suas informações em mapas vivenciais. Esses mapas vivenciais são imagens cartográficas feitas pelas crianças com o intuito delas escreverem aspectos físicos do lugar. É um instrumento utilizado pela Geografia da Infância.
Geografia da Infância é um termo usado por Lopes (2005) e Vasconcellos (2014). Os autores não propõem trazer mais uma divisão no campo temático da ciência geográfica, e sim promover visibilidade as contribuições da Geografia para os estudos da infância assim como acontece em outras áreas de conhecimentos como a Sociologia da Infância.
Jader Lopes (2013 p. 243) diz que os mapas vivenciais são instrumentos cartográficos criados pelas crianças onde elas desenham símbolos, escalas próprias. Nesses mapas elas constroem significados através de suas experiências. Ele diz que “os saberes das crianças, suas lógicas próprias, têm constantemente sido percebidas pela incapacidade infantil de promover movimentos, na vida dos adultos ou na vida de outras crianças”.
Como vemos, as múltiplas linguagens infantis, quase sempre, são reduzidas a sua capacidade de produzir desenhos a comporem manuais e portfólios, designados ao mundo adulto.  Lopes (2023) diz que usar os mapas vivenciais das crianças é uma forma de fazer justiça a voz da infância que quase sempre não é percebida nos documentos históricos e geográficos, nem nos próprios livros didáticos para a infância e inclusive no contexto escolar. O autor sugere que se a criança desenha as imagens conforme planos e sentidos para elas, os adultos precisam convidar a criança a explicar o que desenharam. É neste diálogo que tanto o docente compreende quais habilidades curriculares a criança já tem internalizada –os conhecimentos prévios. E que nesta explicação da criança, o adulto não faça uso de valor e julgamentos, pois o desenho faz sentido a experiência vivida pela criança, é dele que sistematiza os conteúdos curriculares e desenvolve as competências do ensino formal.
Com base nas reflexões sobre os estudos culturais com a infância, compreendi que era preciso quebrar o ciclo da monocultura do saber. Esse ciclo coloca o adulto em evidência e não a criança. Por isso, sistematizei o ensino e desenvolvi habilidades e competências do currículo formal e obrigatório ditado pela Secretaria Estadual de Educação, mas com foco nos saberes territoriais, tendo o protagonismo infantil.
É importante explicar que, em cada ano de regência, os docentes recebem uma distribuição nova de carga horária na SEEDF, o que oportuniza ser docente que atua a cada ano em turmas e anos escolares diferentes. Além do que, essa mudança amplia a possibilidade de trabalhar vozes diferentes e ampliou o alcance do mapeamento e reconhecimento cultural do território.
Em 2017, sob a regência da turma do 3º ano B das séries iniciais, coordenei ações mensais com os/as estudantes e os/as representantes dos grupos identitários da comunidade cigana etnia Calon, do movimento e luta pela terra (FNL e MST), acampamento Renascer Palmares, no Rancho São Jorge, empreendedor do turismo rural e local de povos tradicionais de terreiros, e com parceria com o Presidente do Condomínio Serra Verde e da Associação dos Produtores/Criadores locais.
Como roteiro metodológico, usei conversatórios em rodas de conversas e junto aos estudantes, levantamos dados sobre a cultura dos grupos
Em 2018, estava em regência com a turma do 2º Período da Educação infantil. As linguagens corporais e orais comandaram as ações. Com base no que já havia de conhecimento sobre a diversidade cultural, colhida no ano anterior, o trabalho foi acrescido de informações com a visita em pontos das comunidades que formam a região. Visitamos a Tenda de Reuniões do acampamento Renascer Palmares, que possibilitou compreender a dinâmica da vida dos/as alunos/as vinculados/as ao MST; visitamos o Acampamento Cigano da etnia Calon, que evidenciou aspectos da rotina - moradia, horta, cuidado com animais, curiosidades sobre as roupas coloridas e brilhosas. Neste ano, as crianças trouxeram os saberes familiares, histórias e memórias orais tendo a família como protagonista. Usamos a fotos e principalmente a linguagem do brincar para auxiliar na valorização, acolhimento e visibilidade dos pertencimentos identitários culturais.
Em 2019, as ações pedagógicas envolveram a turma do 5º Ano “A” e principalmente, a linguagem escrita. Três narrativas autobiográficas, de três crianças da sala que se propuseram falar sobre si: um aluno cigano, uma aluna de acampamento e uma aluna agricultora e também feirante, potencializaram o debate sobre a diversidade cultural e os pertencimentos identitários. 
As crianças compartilharam seus textos e tiveram o apoio das famílias. Em cada quinzena um texto foi estudado e a partir dele as crianças conheceram músicas, brincadeiras, comida típica, e o mapa do local onde a família vivia. Com base no que a criança autora da biografia explorou: fotos de paisagem, vegetação, relevo, animais, moradias e festas do local, ou seja, a criança produziu um mapa vivencial e compartilhou com os colegas, e explicou a lógica dos símbolos, estradas e figuras no mapa.
O trabalho motivou as crianças a falar da ancestralidade cultural indígena. No segundo semestre de 2019 solicitei afastamento para atuar como pesquisadora e junto a professora que me substituiu produzimos duas aulas em rodas de conversas com a parceria de um pesquisador Peruano, Armando Qhichwa, remanescente dos indígenas andinos do Peru, que estava na época, na Universidade de Brasília, como doutorando em educação (figura 3). 
Figura 3 -Palestra Intercultural – conversatórios sobre a cultura andina 
Fonte: a autora, 2019

As duas palestras promovidas pelo pesquisador, ajudaram a mim, a nova docente e a turma a compreender a importância da preservação da língua materna e a musicalidade na afirmação e visibilidade da identidade cultural dos povos ancestrais, e a visualizar a possibilidade de ampliar a educação com foco na interculturalidade.  Sobre isso, falamos de como o tambor é uma marca forte que atravessa a musicalidade brasileira e que, infelizmente, não está inserida no contexto escolar para trabalhar ritmos e harmonia. 

As estratégias retratam a sistematização dos conteúdos em ações pedagógicas de uma professora docente com seus alunos. Estratégias que mostram resultados assertivos quanto a visibilidade da cultura territorial no contexto escolar e que servem de reflexão e inspiração a outros/as docentes que visibilizam acolher a identidade cultural de seus/suas estudantes no contexto escolar. Meu relato apresenta a possibilidade de desenvolver a solicitação de competências e habilidades que são imperativas ao currículo das escolas públicas do DF.  

As diversas linguagens que usamos para desenvolver as competências das disciplinas, ajudaram a destrinchar os eixos transversais que a matriz regulamentar das Diretrizes Pedagógicas da Educação Básica do Campo do Distrito Federal-2018 orienta às escolas de educação formais que possuem atendimento com povos e comunidades campesinas a seguir. Os eixos são "terra, trabalho, história, cultura, luta social, vivências de opressão, conhecimento popular e organização coletiva.  

O mapeamento cartográfico dos pertencimentos culturais reuniu esses eixos e trouxe pela perspectiva do olhar infantil. As vozes infantis produziram memória coletivas dos seus territórios comunitários, e as produções escolares tiveram minha intervenção pedagógica, enquanto docente como forma de potencializar a educação formal e visibilizar os aspectos sociais, culturais e históricos do lugar dentro de uma pedagogia ecocultural e de ação interdisciplinar. 

Como exemplo de intervenção, cito a visão hegemônica sobre o trabalho infantil. As crianças campesinas apresentaram que existe uma diferença entre trabalho infantil e trabalho executado pelas crianças nas atividades cotidianas de suas famílias e territórios comunitários.  Mostraram que ajudar na colheita, na venda dos produtos na feira de hortifrutigranjeiros é uma forma de construir as identidades culturais e as singularidades que a família carrega desde seus ancestrais e não gostam quando apresentam essa organização como trabalho infantil. Desta problematização, falamos sobre a importância da militância infantil para a identidade sem-terrinha e a importância das vestes, do leque, da botina e da pintura no dia-a-dia das meninas Calins. E que nem sempre enxada é sinônimo de ignorância. 

No entanto, o sentimento de uma educação para a alteridade ficou ecoando dentro de mim, pois nesses 3 anos que segui reunir o material e inventariando os pertencimentos culturais com as crianças, percebi dificuldades no contexto escolar sobre o acolhimento e visibilidade dessas culturas por parte de adultos da Escola e de pais no território comunitário. Fato este que me fez adentrar em pesquisa de mestrado e visibilizar diálogos afirmativos sobre a diversidade cultural que atravessa o Sistema Educacional. 

 

 

Considerações finais 

   

A experiência com o mapeamento dos pertencimentos, me instigou a rever meus conceitos, a produzir uma educação mais consciente e libertadora, como nos inspira Freire em todos os seus textos. Demonstrou que as crianças arranjam formas de conviver e de territorializar o espaço e que possuem vozes, participam desde a infância e transformam e interagem no meio ambiente e em seus territórios comunitários. Por isso, não há razão alguma, negar as potencialidades curriculares que veem das crianças. A cada fase cronológica que o/a estudante se encontra, ele/a vai acumulando conhecimentos e experiências. 

Compreendi o território, a partir da perspectiva do olhar da criança. E por essa perspectiva produzimos e inventariamos o espaço que é delas, onde elas são agentes produtores, investigadores e atuantes. O inventariado conseguiu responder quem são as identidades que atravessam a Rota do Cavalo, e alcançou repostas a problematização inicial do meu trabalho docente – sim, é possível e viável promover ecopedagogias para potencializar a educação e também é possível sistematizar o ensino com base nos pertencimentos culturais do território”.  

Argumento, que é possível fazer do território um lugar, onde as pessoas se vejam parte dele. Mas para isso, é preciso uma ação conjunta, com processos de acolhimento desde a família. A visibilidade dos pertencimentos identitários é essencial para combater o racismo epistêmico que invisibiliza as crianças Calons, as crianças sem-terrinha e que classifica em posição de subalterno as crianças campesinas em relação as que possuem vínculo com pertencimentos de uma vida urbana. Alguns aspectos culturais são tão profundos negativamente que impedem e funcionam como barreiras apara a educação intercultural e em alteridade.  Por isso, docentes, façamos a nossa parte nesse acolhimento das identidades culturais no contexto escolar. 

 

Referências: 

 

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra LTDA.1967. 

 

LOPES, Jader Janer Moreira. Geografia das Crianças, Geografia das Infâncias: as contribuições para os estudos das crianças e suas infâncias. Revista Contexto& Educação v.23, n.79,2008, p.65-82,2008. 

 

LOPES, Jader Janer Moreira. Mapas vivenciais: possibilidades para a Cartografia Escolar com as crianças dos anos iniciais. Revista Brasileira de Educação em Geografia, Campinas, v. 6, n. 11, 2016. Jan-ju, p.237-256. 

 

SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: ______. (Org. e Trad.). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 73-102. 

 

VASCONCELLOS, Tânia de. Criança do lugar e lugar de criança. v. 12, 2014. 

Disponível em: <29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT07-2482--Int.pdf>. Acessado  em  06  de  agosto de 2018,   



[i] Professora de Educação Básica na Secretaria do Estado de Educação do Distrito Federal-SEEDF, Educação Campesina- Escola Classe Sítio das Araucárias. Mestranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília- FE/UnB. Brasília; Distrito Federal; Brasil. iassanars@gmail.com.

 




Comentários

  1. olá Iassana, parabéns pelo seu trabalho, e que maravilha em que você pode perceber o território a partir do olhar das crianças, pois a partir disso nos traz uma problemática pra pensar a identidade e o sentimento de pertencimento, ainda mais quando temos marcas de uma colonização violenta que descaracterizava e subalternizava forçando a uma homogeneização, sem respeito as identidades culturais.

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    1. Boa tarde, Kleide. Então, fico feliz que você gostou e percebeu minha intenção de compreender e valorizar as singularidades identitárias das crianças e a partir delas sistematizar os conteúdos, demonstrando que é possível integrar o currículo "duro" com o cultural. Sinto-me honrada em conviver com um espaço tão plural. Sei que é um trabalho de formiga e que descolonizar o pensamento, historiamente engendrado não é fácil, mas tenho consciência que é uma missão urgente!

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  2. Trabalho riquíssimo, Iassana. Suas inquietações demonstram um olhar pedagógico sensível, preocupado com a não homogeneização das culturas, dos territórios. Uma ação de defesa às tradições, de valorização das múltiplas identidades. Uma prática docente voltada, nas palavras de Freire, para o oprimido. Essas intervenções realizadas na infância, com a uso de várias linguagens, certamente desperta desde cedo a formação de uma consciência crítica-reflexiva, apresenta a pluralidade como natural, necessária e bela. Gostaria de saber como a escola acolheu a sua proposta? As famílias dos estudantes tiveram participação em algum momento ou manifestaram algum interesse ou opinião? Você identificou repercussões positivas e negativas ao longo do processo? Sabemos que não é fácil fugir aos moldes tradicionais, resistências, geralmente, surgem em relação à práticas contra-hegemônicas.

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    1. Boa noite, obrigada pelas considerações! Quanto a escola, ressalto que algumas colegas aceitaram a proposta de inventariar os pertencimentos e embarcaram em ações mais precisas sobre algumas diversidades culturais, visitamos espaços e continuamos unidas compartilhando ações. O sindicato dos professores foi alertado pela coordenação da escola e a galera das mídias do sindicato que buscam mostrar trabalhos que se destacam em alguma temática ambiental, nos acompanharam numa visita de campo em dois lugares e produziram um vídeo bacana sobre a importância de inventariar o patrimônio cultural que atravessa as escolas. Mas também tivemos aqueles colegas que por não acreditarem num currículo cultural e integrado, ou porque possuem carência sobre a educação campesina e formação sobre novas propostas educacionais, meio que posicionaram-se negando a possibilidade de sistematizar os conteúdos a partir do território. Alguns colegas pouco produziram, outros nada produziram a partir do protagonismo infantil. Mas acredito que é uma questão de capacitação e formação. Persistência. Acredito que temos muito o que debater e dialogar, pois o processo de descolonização do pensamento é necessário mas trabalhoso. Identifiquei fragilidades e potencialidades no percurso, o que me fez, inclusive me tornar pesquisadora e mestrando em educação. Dia 29 agora defendo minha dissertação, onde mostro que os preconceitos e estigmas são barreiras sociais que adentram com força o cotidiano escolar. Também identifiquei a rotatividade docente como uma reação a possível dificuldade docente de ressignificar ações a partir da diversidade cultural. Ainda sobre as potencialidades, ou pontos positivos, o que vem acontecendo a partir dessa proposta de inventariar só vem crescendo. Inventariei meu território com mais detalhes e riquezas com a dissertação. Descobri crianças com protagonismo comunitário, dialoguei com os docentes sobre a necessidade escolar de entender o que é trabalho infantil e tarefas cotidianas de casa, pois nem tudo deve ser criminalizado. Digo que as famílias com quem me apoie na pesquisa foram essenciais nos bate papos, elas me ajudaram muito. Porém, de toda essa experiência de cartograr o território com a ajuda das crianças, compreendo que as conquistas ainda estão mais referendadas no meu trabalho, meio que algumas colegas desistem de continuar, e a dinâmica organizacional escolar é um fator que dificulta muito as ações. A temporalidade que acontece dentro da escola é nossa pior aliada quando buscamos retratar o cotidiano do território. Mas espero conquistar apoio de mais colegas para realizarmos projetos maiores, e com foco na ecopedagogia tendo a água como matriz referencial. Assim espero !

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  3. Esse mapeamento da diversidade cultural, protagonismo dos alunos e principalmente a participação da família certamente contribuíram para a beleza e relevância dessa ação. Gostaria de questionar quais as ferramentas foram utilizadas para convencer as familias da importância de acompanhar e estimular os alunos nesse mapeamento?
    Janaína Sabina Cardoso

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    1. As famílias já possuem o hábito de serem inseridas no diálogo do PP da Escola. Alguns grupos comunitários( Calon e do FNL) já possuem liderança que se dispõem a participar de debates. Na escola, as crianças que se prontificaram a falar de si, perguntaram aos pais se eles ajudariam nesse processo e eles aceitaram. Já tem alguns anos que buscamos dialogar com as famílias através de vídeos nas reuniões de pais; durante alguns anos produzimos jornalzinho escrito e falado. Meio que essa comunicação já existe. Particularmente criei um grupo de whats com os pais da turma, daí mandava fotos das atividades construídas no dia para eles. Acho que quando eles veem o resultado então participam. É claro que essa participação não é 100 por cento, mas a grande maioria participa e colabora. Falar de si não é difícil. Os pais se sentiram valorizados enquanto pessoas que possuem cultura. Algumas crianças gravaram, tiraram fotos. Outras trouxeram um rascunho das falas. O importante é fazer com que elas sintam-se valorizadas. A parte de sistematizar foi construída em conjunto na sala. Depois, quando o Projeto Inventário ficou pronto, a coordenação divulgou via rede social, na reunião de bimestre. Fez chegar a comunidade.

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  4. Olá, Iassana, muito bom ler seu trabalho. Meu campo de pesquisa é Educação do Campo e Quilombola. Na leitura de seu texto, observei que você tem 15 anos de docência em escolas do território rural. Seu projeto iniciou há 15 anos ou corresponde ao período do relato da experiência 2017-2019? O que a influenciou, o que fez você perceber a importância do inventario? E o que mudou na relação práticas educativas escolares e práticas educativas da comunidade?

    Maria Fernanda dos Santos Alencar

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    1. Primeiramente obrigada! Então, nesses anos que vivenciei experiências na educação do campo, atuei em diferentes funções na Escola. quando estava em coordenação e gestão busquei promover o projeto Jornalzinho como forma de fazer a comunicação entre a escola e o território comunitário. As ações que uniam família e escola sempre aconteceram. Mas o Projeto maior, de inventariar os pertencimentos que atravessam a Escola a partir do olhar da criança, veio a partir de 2017. Ele ajudou a construção do Projeto Inventário. O inventário é importantíssimo para mapear a cultura, meio ambiente, a paisagem e as identidades, mas tudo é novo. A rotatividade docente atrapalha as ações coletivas. Mas sigo inventariando e construindo pontes com a comunidade. Nesse processo as práticas pedagógicas estão mais focadas em afirmar e valorizar os pertencimentos. A reflexão já é por si só um avanço, mas acredito que sistematizar os conteúdos a partir dos saberes territoriais tem sido a grande mudança.

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  5. Maria Ângela Silva Alves29 de setembro de 2020 às 18:49

    Primeiramente gostaria de parabenizá-los por desenvolver esse belíssimo trabalho a partir da vivência, e por compartilhar conosco, no entanto quando fala na necessidade do acolhimento desde a família, surgiu a curiosidade de saber se a comunidade reconhecia tal importância e se demonstrava interesse em coloborar, para resolver tais dificuldades?

    Parabéns pelo trabalho!


    Maria Ângela Silva Alves
    (Bom Jesus da Lapa/BA)

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    1. Obrigada pelas palavras.
      Quanto a questão problematizada, informo que cada pessoa compreende a educação de uma forma. Nem todos da comunidade entendem os processos e as estratégias pedagógicas, e nem todas as famílias dialogam em casa com seus filhos sobre prosseguir os estudos. Dessa forma, alguns acompanharam as atividades distanciados, mas a grande maioria ajudou e contribuiu com fotos, com a produção de narrativas. Participaram respondendo os questionários, aceitaram ser entrevistados por seus filhos. A semente é nova. A medida que produzimos material e divulgamos, mais pessoas se envolvem. Em cada ano estive com turmas diferentes e a dinâmica de participação do início do ano para o fim aumentou. A família necessita visualizar e ter em mãos o projeto materializado para compreender a importância das ações. O impacto na vida de alguns alunos também fez a diferença, pois a indisciplina e a infrequência caiu. Ao falar de si e se sentirem valorizados, acredito que , sentiram-se respeitados e pertencentes ao lugar.

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